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O Presente que escorrega e o passado que abraça

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Por Fredi Jon


O presente anda com pressa. Ele não senta, não aceita café, não pergunta pelo cachorro. Toca a campainha, joga meia dúzia de notificações no colo da gente e desaparece sem dizer adeus. A impressão é que vivemos uma sucessão de “modo stories”: 24 horas e some. E, cá entre nós, ninguém faz álbum de família com stories.

 

O passado, por sua vez, é outro tipo de visita. Ele chega devagar, tira o casaco, senta-se no sofá e pede para ouvir de novo aquele disco de vinil arranhado. Ele não tem pressa de acabar. Talvez seja por isso que um jingle dos anos 90 ainda nos faz cantarolar no chuveiro, enquanto os vídeos virais de hoje duram menos que uma xícara de café frio. O passado sabe cozinhar no fogo baixo; o presente insiste no micro-ondas.

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E nessa correria, o que nos resta? Guardar objetos e memórias como quem esconde fósforos em tempos de apagão. Ingressos de cinema, brinquedos quebrados, propagandas antigas… pequenas âncoras jogadas ao mar do esquecimento. Não é nostalgia, é sobrevivência: precisamos lembrar de onde viemos para não evaporar junto com o feed.

 

A música, entretanto, resiste ao descarte. A serenata, em especial, é quase um ato de rebeldia. Ela não cabe em “pular anúncio”, não existe em versão acelerada 1,5x. É artesanal, com erros desafinados, risos nervosos e aquele frio na barriga que o Spotify jamais vai sentir. É música no tempo do coração, feita para ser lembrada como se fosse eternidade.

 

E talvez seja isso que esteja em falta: presentes que mereçam futuro. Momentos suficientemente densos para não se perderem na pressa. Porque a memória não se alimenta de velocidade, mas de presença. E uma serenata, seja na janela ou no escritório, é um lembrete meio filosófico e meio engraçado de que a vida pode — e deve — ser cantada ao pé da alma.

 

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No fim das contas, daqui a algumas décadas, ninguém pedirá para ver o celular de última geração. Mas haverá quem conte, rindo e chorando ao mesmo tempo, do dia em que alguém desafinou em “Como é grande o meu amor por você” numa noite fria. E foi nesse erro afinado que a vida deixou de ser descartável, ainda que só por um instante.

 
 
 

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